segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Figurinha Carimbada
Figurinhas carimbadas valem mais
Nos meus tempos de adolescente, notadamente a época da Copa do Mundo de 1982 (aquela que todo mundo lembra que o Brasil jogou bem mas não ganhou), eu era um ávido colecionador de figurinhas. Daqueles de jogar “bafo” nos intervalos da escola, levar sacos e envelopes lotados de figurinhas para trocar e disputar com os colegas, ver quem completava o álbum primeiro.
Tinha até uns álbuns que você completava um time do campeonato brasileiro e ganhava uma TV, panela de pressão, e um monte de coisas que eram inúteis para as crianças, e “mais ou menos úteis” para os pais, talvez uma forma disfarçada (ou descarada) de fazer os pais comprarem mais e mais figurinhas para os filhos – que por sua vez, infernizavam os pais porque só faltava a figurinha do Zico para completar o Flamengo e então ganhar o tão cobiçado...faqueiro de 40 peças!
Só que o Zico era diferente. Não só a pessoa, o jogador, mas a figurinha também. Vinha com uma palavra dizendo “Carimbada”, honra reservada a apenas um craque de cada time, e isto fazia com que aquela figurinha fosse mais difícil de se obter, e portanto, ainda mais cobiçada. Quando aparecia uma dessas nos campeonatos de “bafo”, tinha gente disposta a trocar 20, 30, figurinhas por uma dessas, criando uma verdadeira inflação no mercado de figurinhas repetidas (afinal, havia também os sortudos que tinham as carimbadas repetidas!)
Anos mais tarde, fui entender que este fenômeno da escassez das figurinhas carimbadas, só seria mais uma faceta que evidenciaria a burocracia, tráfico de influência e jogo de poder, característicos da nossa “quase-democracia”, que até mesmo as crianças começavam a praticar com suas trocas de figurinhas carimbadas. Afinal de contas, um carimbo fazia com que a figurinha valesse mais.
Na vida adulta, percebi que a regra continuaria valendo. Tudo que tem um carimbo, de alguma forma, vale mais. Até mesmo aquelas cartas comerciais antigas que terminavam com a frase: “para maior clareza, firmamos a presente”, tinham que ter um carimbo, afinal de contas, quando você assina uma carta ela deve mesmo ficar com todo seu conteúdo mais inteligível ao leitor, e se estiver carimbado então, ninguém ousará duvidar de seu conteúdo e seguir as recomendações ali contidas. Pois se quem assina tem um carimbo, deve ser alguém importante.
O carimbo marca todo e qualquer evento importante na vida das pessoas. Quando você nasce, sua mãe vai ao hospital, dá entrada na maternidade, assina uns papéis (aqueles em branco que “o convênio manda assinar”), e lá está um carimbo. Após nascer, o pai vai ao cartório registrar o filho, e ganha o carimbo do tabelião. Quando matricula o filho na escola, ganha o carimbo. Quando o filho termina a escola, lá vem o diploma com o carimbo do diretor da faculdade. (Se repetir de ano, vem cartinha para a mãe, também carimbada pela diretoria...). Quando o filho consegue o estágio, tem o carimbo da empresa. Ao ser efetivado, o primeiro carimbo na carteira de trabalho. O filho então compra seu primeiro carro (o Fusca usado...), e lá vai ele pegar o carimbo de reconhecimento de firma do vendedor do carro. O filho sai de casa e vai morar de aluguel....e tem carimbo no contrato de locação. Quando resolve comprar o imóvel, tem carimbo em tudo quanto é lugar. O filho então se casa...e vem carimbo do cartório de registro civil. Se o filho tem filhos...repete-se o ciclo. Se o filho se separa, tem carimbos de separação, divórcio, advogados, juiz, guarda das crianças, etc. Se o filho vende o imóvel, carimba. Se o filho morre, carimba.
Experimente mandar um recibo de consulta de seu médico para o convênio lhe reembolsar, faltando o carimbo do CRM do médico...experimente tentar sacar seu FGTS após ser humilhantemente demitido, e estiver faltando um carimbo da empresa em um papel qualquer.
Recentemente, contratei um estagiário para nossa empresa. Fizemos todo o processo seletivo, emitimos o contrato, e eu assinei. Foi devolvido pela faculdade pois faltava o carimbo da empresa. Expliquei que nós não tínhamos carimbo (afinal, que diferença faz...), que se fosse necessário poderíamos reconhecer firma em cartório, mandar o contrato social da empresa junto, mas não adiantou. “É o procedimento, tem que ter o carimbo”. Gastei R$ 10,00 e mandei fazer o tal carimbo, para ser usado uma única vez. Só não gostei da história porque não me avisaram que quem não tem carimbo não pode contratar estagiário.
Aliás, pensando bem, quem não tem carimbo não deveria nem estar vivo...
(e ainda bem que não tive que carimbar o blog!)
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