sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Directo de Colombia...(texto escrito em Maio/2001)

Caros amigos,

Nesta primeira semana de Colombia já dá pra ter uma pequena idéia e contar umas historinhas...

Como sempre, muito se ouve no Brasil sobre a Colombia, o problema de narcotráfico e guerrilhas, mas nada se fala sobre o povo honesto e trabalhador que existe aqui, como em qualquer lugar. Nós brasileiros talvez estejamos na melhor posição para desenvolver um senso crítico e tirar da cabeça de uma vez por todas qualquer tipo de preconceito (ou pré-conceito) que fazemos das coisas, pessoas e países.

Digo isto, porque, ao mesmo tempo que pensamos que vamos chegar na Colombia e ver pessoas se drogando e bombas explodindo, cenas de guerra, etc... ficamos chocados em ver que americanos e europeus pensam que existem cobras e macacos nas ruas de São Paulo. Ou seja, depois de sofrermos o preconceito, deve-se pensar 2 vezes antes de formar opiniões sobre o que não é conhecido.

De fato, eu nunca pensei que isto aqui fosse selva. Afinal de contas, qualquer cidade com 8 milhões de habitantes, como Bogotá, não pode ser selva...

Bogotá é uma cidade interessante. Ruas bem organizadas, numeradas em ordem crescente (de norte a sul, e de leste a oeste), de modo que qualquer americano andaria aqui facilmente. Ou mesmo os cariocas, porque aqui também se usa as montanhas como referência.

Ninguém aqui esconde o problema das guerrilhas, narcotráfico ou paramilitarismo, o que na minha primeira impressão é um PCC ou um Comando Vermelho mais bem organizado e mais rico, afinal de contas são sustentados pelo infindável dinheiro do narcotráfico. Mas está claro também que isso é um problema deles, e estão lutando para resolver, e se sentem visivelmente ofendidos ao ver que um estrangeiro faz comentários, emite opiniões ou mesmo brinca com o tema. Afinal de contas, o mundo inteiro os observa com os olhos preconceituosos de quem acha que todo colombiano é traficante por definição. E quem acha que Bogotá vive em clima de guerra, por favor dê uma volta no Capão Redondo ou no Parque Santo Antônio aí em São Paulo, ou em Belford Roxo/Nova Iguaçu no Rio, antes de falar qualquer coisa.

Muito pelo contrário, as pessoas são amáveis e amigas, sempre gentis e dispostas a ajudar aos outros, sejam estrangeiros ou não. É verdade que em muitos lugares se vê o exército nas ruas, todos armados até os dentes. Mas com o tempo você se acostuma. Afinal, eles estão aí para proteger, e se você não deve nada, não há o que temer. E o povo é bem consciente disso.

Alguns comentários e curiosidades que notamos....:

É impressionante a quantidade de mulheres no mercado de trabalho aqui. E não só em atividades operacionais, mas também em altos cargos executivos. Para se ter exemplo, nosso cliente aqui (um banco) tem 3 vice-presidências, sendo que 2 delas (Comercial e Tecnologia/Operações) são exercidas por mulheres. Muitas outras são vistas em cargos de gerência média em áreas como informática e contabilidade, as quais não sei porquê são dominadas por homens em outros lugares. Definitivamente, daria pra fazer uma tese de sociologia sobre a participação da mulher.


No dia em que chegamos, quando o táxi parou na porta do hotel, parou logo ao lado um caminhão do exército de onde saíram uns dez soldados, cada um com 2 metralhadoras. Passada a curiosidade, me contaram que isto é normal, e depois você se acostuma mesmo. Afinal de contas, você não deve nada a eles.


No dia seguinte, desarmam um carro-bomba com 150kg de TNT em um bairro comercial. Todos ficam apreensivos porque em Bogotá isto não é normal. Por conseqüência, ficamos assustados, mas fazer o quê... sempre me refiro ao exemplo de São Paulo, onde você pode levar um tiro na cabeça se tiver menos que R$ 50 no bolso.


Na sexta-feira, 3 bombas perto da Universidade. 4 mortos. Um clima de expectativa e ansiedade se espalha. O governo anuncia reforço na segurança e um novo plano de segurança nacional. Felizmente, foi longe de onde estávamos e um dos mortos foi o próprio imbecil que colocou a bomba e não teve tempo de correr....assustador? Quantas chacinas já ocorreram este ano em São Paulo? Não quer dizer que eu não tenha medo de nada, mas a gente tem que saber relativizar as coisas antes de falar.


De fato, a segurança foi reforçada. Os taxis proibidos de estacionar nas ruas e qualquer carro suspeito era revistado. Ao sair para o jantar, vimos que oficiais do exército olhavam com espelhos por baixo dos carros à procura de qualquer coisa estranha. Na entrada do restaurante, detector de metais e revistavam os clientes (mas também, quem já não levou uma "apalpada" em qualquer bar de moda onde só freqüentam classes média alta e alta em São Paulo? Nada mais natural que isso ocorra aqui também.


Depois de um sábado inteiro de trabalho, conhecemos um outro bar/restaurante muito divertido, "Andrés Carne de Res". As pessoas se divertem à beça, dançam até ao lado da mesa e não param um segundo. É fácil notar a alegria deste povo que, após a semana de trabalho e de tantos outros problemas, consegue se desligar do mundo e ter alguns momentos para extravasar as energias (com algumas "botellas", claro....).


Os bares aqui fecham à 1:00am ou no máximo às 2:00. No "Andrés", quando é chegada a hora de fechar, a música pára, as luzes se acendem, e entra a voz do dono falando ao microfone:
"Lamentavelmente é chegada a hora de irmos para casa. Infelizmente, este país ainda tem muito para fazer, para que possa desfrutar das coisas lindas e do povo maravilhoso que possui. Infelizmente, uns poucos merdas destroem a nossa imagem e fazem com que o mundo nos olhe com cautela. (E o bar todo calado, mais de 500 pessoas). Aos outros merdas que fogem desta situação e vão morar em Miami, só nos resta lamentar. A nós, que ficamos, nos resta o trabalho e o esforço para fazer de nosso país um país melhor, e tenho certeza que vamos conseguir. Eu trabalho e sei que vocês trabalham. Nossa tarefa é difícil, mas quando conseguirmos, vamos olhar para todos esses merdas e dizer que temos orgulho de ter nascido na Colombia. Vamos saudar o nosso país, agitar nossa bandeira e trabalhar para que um dia possamos ficar aqui até o sol raiar, gozar nossa liberdade e aproveitar o fruto do nosso trabalho." Logo em seguida, distribuíram bandeirinhas da Colômbia e o povo todo começa a cantar e ir embora, sem música. Foi simplesmente de arrepiar.

Domingo à tarde, fomos ao estádio El Campín, assistir uma partida de futebol entre o Santa Fé de Bogotá x Nacional de Medellín (afinal de contas, brasileiros e argentinos não resistem a futebol....). Outra surpresa agradável. Para quem esperava ver um estádio grotesco, imundo, com gente feia, multidões se acotovelando para comprar ingressos e o famoso churrasquinho de gato, não vimos nada disso. Cerca de 30 mil pessoas, homens, mulheres e crianças, num clima de festa e torcida impressionante. De cada um dos lados, via-se as torcidas empurrarem seus times, cantando o tempo todo (como os argentinos fazem), muito papel picado, muita festa e cores. O estádio? Modesto, porém limpo e organizado, assentos individuais e banheiros de dar inveja ao Morumbi e Pacaembu. A saída depois do jogo? Civilizada, as duas torcidas se encontravam nas ruas, e não se percebia nenhum clima de agressividade.

Definitivamente, o Brasil tem muito o que aprender.

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