Durante minha vida pessoal e profissional, deparei-me com inúmeras situações onde é necessário tomar alguma decisão baseada pura e simplesmente na confiança que você tem ou deposita na outra pessoa (ou até mesmo uma instituição, empresa, etc.). Certa vez, lendo um artigo em uma dessas revistas de bordo em um avião, uma coisa me chamou a atenção: a economia de um país inteiro pode ou não ser próspera de acordo com a confiança que os indivíduos depositam nas demais pessoas e nas instituições. E contava um exemplo bastante simples: você chega numa lanchonete de aeroporto e pede um café. Toma o café e pergunta “quanto é?” para o(a) atendente. Mas espere aí: você parou pra pensar que o atendente lhe serviu o café porque CONFIOU em você e que acreditou que você iria pagar? Tudo bem, existem lojas de cafés que fazem ao contrário, você paga primeiro e toma o café depois. Mas a regra é a mesma: você tem que acreditar que eles lhe servirão o café após você ter pago.
O conceito é simples, mas se um dos lados não acreditar no outro, ANTES que algo aconteça, nada irá acontecer e tudo se tornará uma eterna batalha para ver quem tem maior poder de coerção até que um se dê por vencido e faça as coisas por submissão. Mas até lá muito tempo foi perdido e já não estaríamos mais aqui. Pense nas compras pela Internet: se você não acreditar que o Amazon.com vai te entregar o livro, eles não estariam vivos. Se você não acreditar que um e-mail tem o valor de uma passagem aérea, pode pensar em voltar para as filas dos aeroportos, ou pagar comissões de agências de viagem que imprimem o papel e cobram uma porcentagem para fazer o serviço. Não agregam valor algum. Apenas te dão 50 opções diferentes de vôos até que você fica tão confuso e não sabe mais o que faz, e acaba fazendo o que é melhor pra eles, não pra você.
Bem, recentemente tive um exemplo claro onde não pude confiar no que me prometiam, e em função disso tomei a decisão contrária à que seria a naturalmente tomada, caso houvesse um ambiente favorável e confiável. Em minha recente experiência profissional nos Estados Unidos, tive a oportunidade de aprender coisas novas, desenvolver um trabalho diferente, tal que o grupo no qual trabalhei estava sendo sondado para assumir uma posição de destaque na organização. A exposição foi tal que até menções em mídia especializada tivemos.
Mas, como muitas coisas que vi na "Corporate America", muitas coisas são mais cheias de ar do que se pode pensar ou crer (sabe aquela coisa do "PowerPoint bonitinho"?). Todo mundo vê as coisas e acha lindo, grande idéia, mas muito pouca gente está disposta a por a mão no bolso e pagar por isso. Leia-se: enquanto estávamos fazendo o trabalho, com um orçamento próprio para o nosso grupo, todo mundo (os outros departamentos) adorava, achava o máximo. Igual viagem de formatura: na reunião da comissão, todo mundo se empolga e acha o máximo irem todos os 200 alunos para um resort em Trinidad y Tobago, mas na hora de fazer o cheque, só uns dez acabam topando.
Mas quando foi a hora do nosso grupo ter a tal “posição de destaque”, isso significaria incorporar nossos custos ao orçamento de outras áreas, e aí todo mundo parava pra fazer contas, e a coisa não saía do lugar. O que mais impressionava é que não tinha uma pessoa que tomasse uma decisão. Criou-se um clima de grande incerteza na empresa, e todos ficaram apreensivos. Qualquer coisa que se oferecesse, naquela altura do jogo, seria com muito pouca probabilidade de ser cumprida. E aí tem um tema cultural: o estilo altamente individualista dos americanos faz com que um dia o seu chefe te prometa um monte de coisas, e 2 semanas depois ele pode conseguir outro emprego, ou mesmo ser demitido, e tudo vai por água abaixo. É como começar do zero, com o novo chefe. Nada do que você fez tem valor algum, porque o novo chefe quer colocar “o seu toque” na organização, de forma que ELE se dê bem e seja promovido. Não importa se você está ali, se você tem vida pessoal, ou qualquer coisa que tenham falado pra você antes da “gestão” dele. Rasga-se tudo, coloca-se o papel branco na mesa, e começamos do zero.
Surgiu a chance de uma transferência definitiva para a empresa nos EUA, com salário “americano”, enfim, uma proposta economicamente tentadora, profissionalmente interessante, e do ponto de vista pessoal a chance de estar em um ambiente diferente a mais longo prazo e poder fazer outros tipos de planos pessoais. Porém, diante desse clima, a minha única exigência foi que o primeiro ano de contrato deveria ser “garantido”. Ou seja, eu queria garantir que pelo menos os primeiros 12 meses seriam honrados, não importando o que acontecesse na empresa, afinal de contas, se éramos tão bons assim, e a empresa pensava em crescer no longo prazo, 12 meses não seriam nada. Assim, se desse algum problema e eu fosse despedido após 3 meses, receberia o equivalente a 9 meses de salário como indenização (nos EUA o aviso prévio é normalmente de 2 semanas, e nada de FGTS e outras coisas que temos no Brasil – é pouco mais que um tapinha nas costas e olha lá). Se fosse despedido após 8 meses, receberia 4 meses de indenização, e assim por diante.
O grande problema foi achar alguém pra “bancar” essa proposta. Ninguém queria assumir isso. Pior, ninguém queria fazer uma oferta por escrito, dizendo claramente quais eram as condições, quaisquer que fossem. Todo mundo se dizia muito ocupado, e que as coisas “precisavam caminhar”... Bem no estilo americano, de “vai fazendo e depois a gente vê” (e nós achamos que o "jeitinho" é coisa de brasileiro). Mas eu bati o pé firme e disse que se não fosse assim, preferia voltar ao Brasil. E assim foi.
Volto ao Brasil, e apenas 2 meses depois, vejo que todos os figurões que estavam me prometendo mundos e fundos, foram “rebaixados”, realocados, despedidos, enfim, já não existiam mais no contexto em que estavam. Alguns se foram voluntariamente, pois já tinham outros empregos acertados. Pobre de mim se tivesse ficado lá e “ver no que dá”. Não é assim que se faz negócios, precisamos ser mais sérios, profissionais e respeitar as pessoas. Tivesse eu ficado lá, estaria à mercê de qualquer um outro que assumisse o comando da área, certamente olhando com maus olhos seu orçamento e a minha cara, e pensando como se eu fosse “da velha guarda” e certamente seria o próximo de uma lista de cortes (que de fato veio 30 dias depois...). Com tudo isso, discuti amplamente com meus amigos dos EUA o grande problema: não se tratava de como as empresas trabalham, a dinâmica da mudança ou a incerteza típica dos dias de hoje. Vai mais além, é uma questão de CONFIAR ou não nas pessoas que te dizem as coisas. É como se fosse um sexto sentido que a gente também precisa ter antes de tomar certas decisões. Não era um processo puramente analítico e lógico, caso contrário eu teria ficado. Mas o fator CONFIANÇA pesou muito.
Pensemos nisso das próximas vezes...enquanto isso, consulte sempre um advogado (ou sua consciência?)
Um abraço
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Comprei uma casa, confiando que o que o ex-dono disse sobre os problemas e descobri mais problemas que ele disse que "desconhecia", que "era novidade" para ele.
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