17/04/2003. Vou para o aeroporto. Voo as 16:30, chego às 14 horas. Podia-se notar a felicidade em meu rosto. Muita coisa estaria sendo deixada pra trás naquele momento. Menos de um ano antes, eu jamais imaginaria ter passado por tudo o que havia passado nos últimos meses. Às 16:30 anunciam um atraso no vôo. Falta uma peça que viria de Houston, pois um pássaro havia atingido a turbina na viagem anterior e a tal peça precisava ser substituída. Outra solução provável era colar a peça existente. Enfim, tudo isso me parece às vezes uma simplificação exagerada da realidade, afinal de contas ninguém entenderia mesmo se os engenheiros saíssem lá de baixo com seus desenhos, manuais e computadores e dessem uma explicação técnica do que estava acontecendo. O fato é que não sairíamos no horário e pronto. Após 4 horas de espera e ansiedade, vôo cancelado. Pensei comigo “que mal começo para tão merecidas férias”. A primeira coisa que me vem à cabeça é o tão sonhado jogo entre o Real Madrid e Barcelona. O preço do ingresso já não importava mais, mesmo que a British Airways me devolvesse o dinheiro (o que eu duvido que ocorresse). Dane-se, eu não queria o dinheiro, eu queria ver o jogo. E isso já não tinha mais preço.
Volto pra casa desolado. Um taxista mexicano tenta ser simpático, fala das mulheres brasileiras e dos jogadores de futebol (por que ele tinha que falar de futebol??). Entro em casa, largo as malas, deito-me no chão, olhando para o teto... uma sensação de choro... respiro fundo e penso que isso não poderia estar acontecendo, mas também que não seria por isso que iria me abater.
Vou para a Internet, buscar outros vôos, caso a porcaria da British pisasse na bola de novo. Estava disposto a comprar outra passagem e não deixar uma companhia aérea arruinar minhas férias. Depois eu resolveria o problema do reembolso da passagem perdida.
American Airlines: queriam cobrar um absurdo pela passagem. Quase 4 vezes mais do que eu havia pago. Sem chance. Ainda argumentei que se eles tinham o assento vazio, e eu ainda estava revoltado com a British, seria uma ótima chance para eles fazerem um cliente feliz. A atendente me diz com aquela voz de pouco caso que não poderia fazer nada e que aquele era o preço da passagem. Enquanto isso, minha TV ligada dava notícias sobre a possível concordata ou até falência da American. Duvido que o vôo deles tenha saído com 100% de ocupação. E ainda por cima perderam a chance de ganhar um passageiro a mais.
United Airlines (já em concordata, e lutando para sobreviver): sou muito bem tratado, me ofereceram a passagem pelo mesmo preço, e o cara ainda me pergunta por que eu não liguei pra eles antes. Fiquei de confirmar no dia seguinte, pois queria saber a situação da British. Tudo bem, eu poderia comprar a passagem com eles até o último minuto.
Mais algumas ligações (para desabafar minha raiva naquele instante), para o hotel em Madrid e alguns amigos. Fui dormir.
18/04/2003.
Acordei imaginando que já poderia estar em Madrid, mas não, ainda estava em casa, e tinha um longo caminho pela frente...mas estava mais otimista. O taxista mexicano veio me buscar. Não é todo dia que ele pega duas corridas como essas (são US$ 50 cada uma, devidamente reembolsados pela British Airways). Novamente ele tenta ser simpático, agora não falando de futebol, mas das mulheres espanholas, apesar de ele nunca ter visto uma na vida. Os atendentes da British me recebem com um cínico e padronizado sorriso de “como vai você hoje???”, como se nada tivesse acontecido no dia anterior. Tento barganhar um lugar na primeira classe ou executiva, pois não vou ressarcir o custo da primeira diária do hotel em Madrid. Nada feito. Disseram que não havia mais lugares (durante o vôo fui conferir e contei 7 lugares vazios na executiva). Ou eles mentem para os clientes, ou eles são desorganizados mesmo, e acredito mais na segunda hipótese, com uma grande possibilidade de ambas serem verdadeiras.
Vôo programado para sair as 15:00, embarque as 14:25. Às 14:20, anunciam que haverá um “pequeno atraso” no embarque, e que o mesmo se iniciará em 15 minutos. Pequeno atraso? Vinte e duas horas e meia é pequeno atraso? Onde está a pontualidade britânica? Começo a me mobilizar para a compra de outra passagem. O vôo da United já havia partido, mas ainda havia outras opções. Avisei educadamente o atendente da British sobre a situação com o meu ingresso do jogo e o prejuízo que eu levaria, e tudo o que escuto é um “entendo perfeitamente, mas é para sua segurança”. Como assim? Quer dizer que o preço que eu já havia pago pela viagem do dia anterior não incluía o cuidado com a minha segurança? E agora eu teria que tomar prejuízo para ter segurança na viagem? Sei lá, achei melhor não discutir e manter o otimismo.
Saímos as 15:20. Durante o vôo, leio, estudo, como, não encontro mais o que fazer. Me ajeito para dormir. Sábado seria o grande dia!
19/04/2003.
Vinte e nove anos e 364 dias haviam se passado na minha vida. Lembro-me que hoje é dia do Índio, porque na escola eu sempre desenhava índios na época do meu aniversário. Lembro que também está próximo do dia de Tiradentes, porque também fazia trabalhos e cartazes sobre o tema quando estava na escola. Mas agora seria diferente. Nada de dia do Índio ou Tiradentes. Pode até ser programa de índio, mas com certeza eu não estava ali para ser mártir de coisa alguma. Mal podia me conter ante a expectativa, tal que eu não conseguia imaginar nada além desse dia. Qualquer que fosse o destino dali em diante, não importava naquele momento. Não quer dizer que não valesse à pena, mas apenas que não importava. Tudo o que eu pensava era em curtir a partida e sair para festejar o aniversário em algum lugar bem animado. Minha primeira noite em Madrid. Talvez o atraso do vôo tenha sido a propósito para que isso acontecesse. Para exatamente tudo fosse diferente a partir daquele dia. Fim de jogo, Real 1x1 Barcelona. Gol do Ronaldo, é claro. Um outro Ronaldo estava ali, na arquibancada, esperando para comemorar o início de uma nova era... Saio com meus amigos colombianos, nos divertimos e demos muitas risadas... marquei também o meu “gol” pessoal naquele dia.
Nada como a sensação de vitória e de objetivo alcançado. |
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